Cuiqueiro que se preza não pode ver uma câmera!!!!! Tá sempre rindo e de boca aberta. Mas por que será que todo cuiqueiro sorri???? Sorri porque a arte de tocar cuíca é para poucos. Bem poucos. Sim, tocar cuíca é fácil. Mas tocar com alma é outro papo. Tocar com alma é colocar o sentimento em cada nota que tira, em cada puxada na vareta, em cada agudo tirado. É tocar como se a cuíca fosse a extensão de seu corpo e o traduzir de sua alma.
Diferente dos outros, cuica não se bate! Cuíca se toca. Se toca, ô cara! Não é só, como diz o povo que gosta de sacanear os cuiqueiros, “puxar o pau”. É muito além disso. É tratar o instrumento como a mulher amada, é tocar com carinho, com sentimento de modo a obter de cada nota o mais belo dos sons, deixando, a cuica (e a mulher amada também!) como em pleno estado de gozo. Gozo para quem toca e para quem ouve também. Sem esquecer a importância das caixas, surdos, repiques, tantãs, tamborins e os outros, temos na cuica um instrumento mágico. Mágico por sua diversidade de possibilidades e mágico porque os leigos imaginam como é tocado. De tão mágico, atrai sempre o rebolar da mulata, as cadeiras da passista que, como enfeitiçada, vem sambar pertinho para delírio do cuiqueiro. É por isso que abre aquele puta sorriso! Tinha que ser diferente? Francamente não.
Já passei por diversas situações de chegar pleno desconhecido em uma roda de samba e, após a primeira gargalhada na cuica, atrair o olhar de muitos. Chego cuiqueiro anônimo. Saio cercado de amigos. Certa vez, em uma dessas rodas, escutei uma frase que traduz muito disso. “Quem chega com uma cuica não tá de inocente na roda...” Acho que é isso mesmo. Quem toca cuica sabe o que faz e como faz. Sabe dar a chorada bonita no samba de mesa, quando a canção exige, dando, além do molho e suingue, um ar de tristeza e dor de cotovelo para, no minuto seguinte, cair na gargalhada trazendo a alegria geral.
De tão incomum, o instrumento vira sobrenome. É comum conhecermos os Fulanos e cicranos da cuica! (Não vou aqui nomear nenhum para não cair na injustiça com os demais.). Mas não se conhecer fulano do surdo, beltrano da caixa... é coisa só de cuiqueiro mesmo!
Porque, a cuica, vira a extensão de si mesmo? Além de ser tocada junto ao corpo, a cuica exprime um pouco da alma humana, da alegria e da tristeza, da marcação contínua que dá o suingue, da rápida aparição e destaque para, no minuto seguinte misturar o seu suingue a todos os outros, completando com cada nota, cada toque o desenho da percussão.
Como disse o Natal, “se bateria de escola de samba fosse sinfônica, a cuica seria o violino”. Nem precisa dizer o quanto concordo com ele. E, mais que isso, ser cuiqueiro é ter em si o pleno estado de arte, de graça, o sorriso de quem admite que a vida é bela, mesmo nas choradas de tristeza que a cuica dá e que são plenamente compensadas pelas gargalhadas dela mesmo que contagiam ao cuiqueiro e a todos que ouvem. Em suma, ser cuiqueiro é conhecer de pertinho bem mais que as cadeiras da mulata, da passista. Ser cuiqueiro é ter respeito à alegria da vida.